Opinião de Miguel Serafim

Instituições de ensino superior: uma questão de identidade

Qual o papel atual e potencial da Universidade?[1] E quais os domínios centrais em que é expectável (e até exigível) que esta instituição multissecular possa intervir? As tentativas de encontrar respostas a estas questões têm suscitado um amplo debate, envolvendo não apenas os académicos, mas também todos os agentes que se relacionam com as instituições de ensino superior (IES).

O Centre for Urban and Regional Development Studies, um dos centros de investigação da Universidade de Newcastle (Reino Unido), tem-se destacado pela execução de um programa de trabalho sobre as universidades e o desenvolvimento regional e local, em torno de um conceito chave, a “universidade cívica”, cuja definição é suportada em sete dimensões e características fundamentais. Nesta perspetiva, uma universidade cívica:

  • Tem sentido de missão: não é suficiente reconhecer que é competente em determinadas áreas; mas importa perceber “para quê” e “para quem”;
  • É ativamente envolvida com o mundo em geral, o país e a comunidade do local onde está situada;
  • Possui uma perspetiva holística do envolvimento com o exterior, alargando-o a toda a atividade da instituição e não apenas a determinados indivíduos ou equipas;
  • Tem um forte sentido de lugar, porque não obstante a escala a que opera, reconhece que a sua localização específica a ajuda a formar uma identidade única;
  • Está disposta a investir nos seus objetivos para ter um impacto que vá para além da academia;
  • É transparente e responsável para o público em geral;
  • Utiliza metodologias inovadoras.

O que ressalta desta caracterização é a importância das IES se mobilizarem internamente no sentido de se virarem para o exterior e de manterem laços fortes com a região onde estão implantadas, saindo de um circuito mais estrito e, porventura, mais confortável, mas que lhes limita a capacidade de afirmação, o seu desenvolvimento e pode mesmo colocar em causa a sua sobrevivência.

Ser uma “universidade cívica” significa constituir-se como um ativo crítico das regiões, o que é especialmente relevante nas regiões com maiores debilidades, com um tecido empresarial mais frágil e com baixos níveis de atividades de investigação e desenvolvimento. Mas este é um processo com dois sentidos, já que também as IES podem beneficiar da sua presença numa determinada região, na medida em que consigam potenciar todo o envolvimento para criarem uma identidade própria, distintiva e que lhes confira maior competitividade.

São vários os trabalhos que têm vindo a ser desenvolvidos, com o objetivo de estudar e divulgar a relação entre as IES e o crescimento económico regional e de apresentar casos de sucesso nesta ligação. No espaço da União Europeia e tendo como objetivo a preparação e execução do período de programação 2014-2020, merecerá particular destaque o documento editado em 2011 pela Comissão Europeia, “Connecting Universities to Regional Growth – a practical guide”.

Com vários exemplos da forma como as IES intervêm diretamente no processo de crescimento económico nas regiões em que se integram, este guia indica alguns mecanismos através dos quais aquela intervenção pode ser mais efetiva, podendo destacar-se os seguintes:

  • Aumento da inovação regional, através das atividades de investigação, podendo traduzir-se em: serviços de consultoria; vales inovação; parcerias para a transferência de conhecimento; parques de ciência e tecnologia e centros tecnológicos e de investigação.
  • Promoção de empresas, do desenvolvimento de negócios e do crescimento, através de: apoio ao empreendedorismo entre os estudantes e os recém diplomados; spin-outs académicos; desenvolvimento declusters e de redes; encorajamento ao desenvolvimento da propriedade intelectual e ligações internacionais.

Particularmente interessante é a abordagem feita neste guião publicado pela Comissão Europeia, quanto às barreiras que se colocam a um envolvimento mais efetivo das IES no desenvolvimento regional. Estas barreiras podem ser internas às instituições e à sua capacidade para se aproximarem da região em geral (barreiras do lado da oferta) ou à capacidade e disponibilidade dos atores dos setores público e privado da região para se aproximarem das IES, procurando competências e conhecimento que podem contribuir para o crescimento e desenvolvimento regional (barreiras do lado da procura).

Como facilitador/desbloqueador desta relação, os autores do documento deixam uma mensagem que se julga merecer particular atenção: às regiões e às IES será exigido que trabalhem conjuntamente na implementação de programas e de estratégias com uma complexidade crescente e com um caráter “transformacional”, por oposição a intervenções de curto prazo e de caráter “transacional”.

Este será (já é) mais um dos muitos desafios a enfrentar pelas IES: ganhar e fazer por merecer a confiança da envolvente externa, particularmente do tecido empresarial e institucional das regiões em que centram a sua atividade, assentando essa ligação em projetos com uma vocação estratégica e não em meras ações pontuais que, sendo positivas, não são suficientes para garantir a sustentabilidade da ligação e uma verdadeira transformação e reforço da identidade das instituições de ensino superior.

 

[1] Neste texto, o termo “Universidade” abrange todos os estabelecimentos de ensino superior, independentemente da sua denominação e estatuto.

 

Miguel Serafim

jserafim@estgp.pt